Esta semana tenho ouvido algumas entrevistas de médicos renomados dizendo coisas como: “deixaremos de diagnosticar 90 mil casos de câncer”, “teremos uma demanda reprimida de pacientes oncológicos”. É impressionante como isso ocorre e só quem está nos bastidores sabe o que realmente está acontecendo. Mas isso vou deixar pra depois.
Quero falar com os pacientes e cidadãos de forma geral, para que NÃO TENHAM MAIS MEDO ainda. Caso seja necessário, saia de casa, vá trabalhar, MAS TOME OS DEVIDOS CUIDADOS! Caso consiga ficar em casa, em um certo tipo de isolamento, faça. Do ponto de vista médico, sabemos que estamos passando por uma fase difícil, e gostaria de compartilhar dois gatilhos que influenciam muito o comportamento de forma geral: 1) ESCASSEZ e 2) MEDO, também conhecidos como “gatilhos mentais”.
Vou começar falando sobre o primeiro deles, a ESCASSEZ. Você acha mesmo que um evento como este (COVID-19, vamos chamá-lo de evento, aqui) que paralisou o mundo, vai embora em poucos meses, ou voltaremos ao “normal” ainda este ano? Creio que não.
Você está se sentindo saudável nesse período? Está indo regularmente ao médico, fazendo atividade física, alimentando-se adequadamente? Está em dia com seus exames “de rotina”? Se a reposta for positiva, MEUS PARABÉNS! Mas a grande verdade é que isso deve ser exceção. É muito difícil que façamos isso neste período. Temos algo que acontece no cérebro que são conhecidos como “fenômenos de recompensa”. Sabe aquele dia que você trabalha muito e a noite pede uma pizza porque “você merece”? Imagine como está sua cabeça nesta quarentena, e aí? Muitas recompensas, certo? Portanto estamos sim, um pouco relaxados com a saúde, porque estamos imersos em fenômenos de stress e recompensas diárias.
Mas e onde a escassez entra nisso? É exatamente nesse contexto que o gatilho da escassez surge: pouca saúde. Você já pode estar se sentindo culpado pelas recompensas, aí vem algum “especialista” e fala: “olhe, se você não fizer exames, pode estar com um câncer grave e morrer disso!” Tenha muito cuidado para não cair nesse gatilho! É muito, mas muito mais interessante, que você se livre dos comportamentos de recompensas do que sair correndo para um hospital, sem sentir nada, e fazer uma colonoscopia achando que vai se salvar de um provável câncer de cólon.
É lógico que o medo vem atrelado a isso tudo. Mas é preciso, antes de ter medo, que você entenda alguns conceitos básicos em oncologia, como por exemplo, a diferença entre RASTREAMENTO e INVESTIGAÇÃO DE SINTOMAS.
RASTREAMENTO: Procurar doença, em uma população de pacientes ASSINTOMÁTICOS, mas que estão em determinado grupo de risco. Por exemplo: Câncer de cólon em pacientes acima de 50 anos devem fazer uma colonoscopia; ou mulheres acima de 40 anos, uma mamografia. Esses exames de uma periodicidade, pois acredita-se que exista um tempo para o desenvolvimento dos tumores e não adianta fazê-los todo mês.
INVESTIGAR SINTOMAS: Isso aqui é outra coisa completamente diferente! Está com alteração no hábito intestinal? Se sim, procure o médico. Está perdendo peso sem ter motivo? Está com quadro de gripe, ou tosse que não passa e febre? Ficou com rouquidão? Dor abdominal? Sangramento vaginal que não para? Vá ao médico! Nesse caso, há uma necessidade de investigar os sintomas e não de rastrear um tumor, entendeu?
Saiba que muitas doenças são silenciosas e causam problema subitamente quando mais avançadas, como é o caso de hipertensão e diabetes por exemplo. Nesse caso, se você está acima do peso, urinando muito, e tem formigas no seu banheiro… Procure um médico! Isso pode ser diabetes. Esses são quadros que dizemos ser “assintomáticos”. O que nem são muitas vezes. São chamados assim porque o paciente leigo, geralmente, não percebe esses detalhes no dia a dia.
Hoje existe a telemedicina, você pode tirar suas dúvidas de casa mesmo!
Exames de rastreamento têm impacto na vida das pessoas a longo prazo. Pense comigo: Um pólipo do intestino demora entre 5-10 anos para surgir e crescer, logo ao retirá-los numa colonoscopia por exemplo, eu só vou saber se isso teve algum efeito depois de 5-10 anos! Portanto, esse desespero para fazer uma colonoscopia não se justifica neste momento. O que um período de 3-6 meses vai mudar? Provavelmente, nada! Estamos passando por uma pandemia, pese bem os riscos e benefícios de se proteger, não se expor a riscos desnecessários ao fazer um exame de rastreamento por exemplo (caso esteja assintomático).
Uma outra coisa muito relevante é o fato de que muitos tumores não têm esse intervalo assintomático. Portanto, exames de rastreamento não servem muito para esses casos. Por exemplo: Não temos exames de rastreamento eficazes (que diminuem o risco de morrer pela doença detectada precocemente), ou ainda com uso controverso em países como o nosso, para os casos de câncer de ovário, câncer de pulmão, próstata e estômago; além de outros como tumores de apêndice, linfomas e sarcomas, que geralmente já se apresentam com sintomas.
Tenha calma e paciência neste momento. Não se sinta culpado de nada e muito menos de ter perdido tempo se um desses tumores aparecerem depois desta pandemia. O fato de terem sido descobertos durante a pandemia provavelmente não fará nenhuma diferença.
Pense assim: Estamos no meio de um engarrafamento, não adianta muito buzinar e gritar. Relaxe, ouça uma boa música ou um episódio do seu podcast favorito, fale até no viva voz com alguém que gosta, e espere o fluxo de carros seguir. Transpondo isso para o nosso cenário, em oncologia, não creio que no atual momento, temos que sair por aí fazendo exames desnecessários. Procure um especialista que pensa assim e tire suas dúvidas de uma maneira mais sensata e leve, pela internet, se possível.
Para saber mais sobre o tema ou tirar dúvidas, agende uma consulta agora mesmo!
Escrito por: Dr. Ranyell Spencer MD PhD
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